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terça-feira, 23 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27244: Humor de caserna (213): Cada "cruzada" com o seu "Mata-mouros", cada guerra e revolução com a sua "fanfarra" e o seu "fanfarrão"... (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Todas as guerras são "cruzadas": por Deus, pela Pátria, pela Bandeira...Dos cristãos contra os mouros, dos mouros contra os cristãos, e por aí fora... Ontem e hoje. E cada "cruzada" tem o seu "Mata-Mouros", o seu Santiago", o seu "Cid, o campeador", o seu "Al-Mansur", o seu "Ferrabrás", em suma, a sua Fanfarra e o seu Fanfarrão, a sua "Maria Turra" e a sua "5ª Rep",   etc. 

Na "nossa guerra" (e o adjetivo possessivo "nossa" já dá logo para se começar a espadeirar entre as nossas tropas, uns contra os outros...) também se podia dizer, sem ofensa, "presunção e água cada um toma(va) a que quer(ia)"!... 

O problema é que o pobre do amanuense,  lá na Chefia de Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné,  não podia dar-se ao luxo de (de)lirar (entenda-se: dedilhar a lira)...

Contavam-lhe um "conto", mas ele não podia acrescentar nem mais uma vírgula nem mais um ponto... E,  no fim,  as contas (e os pontos) tinham que bater certo...Nas hostes, de cada lado, havia muitos "trovadores": não faltava gente para (de)lirar, dedilhar ou tocar a lira... ou, em linguagem de caserna, menos poética, "mandar bitaites". 

Parece ser esse o sentido desta "peça" (antológica) que vamos (re)publicar na série "Humor de Caserna"... Pelo menos, é o que o nosso editor de serviço, acabado de chegar das vindimas nortenhas, deduz do título original (e do seu conteúdo): "Um Herói à Minha Porta: Bazófia Militar", publicado há muitos anos na série "Um amanuense em terras de Kako Baldé"...  

Fanfarras e fanfarrões sempre os há e haverá em todos as guerras e revoluções. O eng Amílcar Cabral teve os seus, fanfarrões e fanfarras.. . O gen António Spínola teve os dele... Enfim, nós tivemos os nossos, o PAIGC teve os dele... Parafraseando o Abílio Magro, o nosso cronista pícaro (do tempo dos últimos soldados do Império), pode-se também dizer (sem ofensa para ninguém)...


Cada "cruzada" com o seu "Mata-mouros"... 

por Abílio Magro


Eu prestava serviço na CSJD/QG/CTIG - Chefia de Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné, onde, como Furriel Miliciano Amanuense, coadjuvava um Alferes Miliciano na Secção de “Doenças”.

Esta Secção tratava dos processos de doenças, acidentes, ferimentos e mortes (em campanha, em serviço ou em combate) e a minha principal tarefa, para além dos registos, controle e arquivo, era a de verificar se os mesmos estavam devidamente instruídos, isto é,  se continham todos os documentos obrigatórios (ficha do militar, testemunhos, relatórios médicos, etc.) e devolvê-los às unidades instrutoras, se fosse caso disso.

Como devem calcular, durante a minha comissão militar na Guiné, passaram-me pelas mãos inúmeros processos daqueles, proporcionando-me um bom conhecimento do que, oficialmente, sucedeu em muitas das acções em que as NT  sofreram baixas (ferimentos ou mortes) por acção direta ou indireta do IN.

Sendo o território da Guiné-Bissau muito pequeno (com uma área equivalente ao nosso Alentejo), qualquer “embrulhanço” (ataque IN) sofrido pelas NT, era rapidamente conhecido em Bissau e os respectivos pormenores eram transmitidos facilmente de boca em boca.

Contudo, à boa maneira portuguesa (onde “quem conta um conto,  acrescenta-lhe  um ponto”), as notícias chegavam quase sempre exageradas, com algumas bravatas e inúmeras baixas à mistura, factos que não eram minimamente confirmados nos processos que, em  havendo feridos ou mortos, mais tarde me vinham “parar às mãos”.

Num determinado dia em Bissau, constou ter havido um “embrulhanço” às portas da cidade, sofrido por uma qualquer coluna de reabastecimento que dali saíra.

Falava-se então, à boca cheia, entre militares, ter sido esse “embrulhanço” fruto de uma acção muito violenta do IN e onde teriam morrido alguns militares e muitos outros ficado feridos.

Nestes casos mais “mediáticos”, eu tinha por hábito registar a notícia no meu “disco duro” e ficar a aguardar os eventuais processos referentes aos feridos e mortos, se os houvesse.

E houve! Não mortos, mas apenas dois ou três feridos ligeiros e os respetivos processos lá me vieram parar às mãos mais tarde e, se bem me lembro, o que afinal acontecera terá sido o seguinte:

Era uma pequena coluna de reabastecimento cujo destino já não me recordo. Lembro-me que na frente seguia um Unimog com milícias, no meio da coluna duas ou três viaturas com a carga, e, a fechar, outro Unimog, mas com militares.

A data altura rebenta um pneu da viatura da frente, o pessoal atira-se de imediato para o chão e desata a disparar a torto e a direito.

Resumindo: na queda, um milícia partiu um pé, outro deslocou um braço e acho que foi só isso que aconteceu…

Passaram-me pelas mãos muitos processos do género, mas também muitos em que os nossos militares foram gravemente feridos ou mortos em circunstâncias horríveis. Muitos deles por falta de assistência, principalmente após a introdução na guerra, por parte do PAIGC, dos misseis Strela, que impediam a Força Aérea de prestar o apoio célere que até aí prestava às forças terrestres.

Mas havia também muita bazófia e esta julgo que se estendia aos três TO (Teatros de Operações), Angola, Moçambique e Guiné. E era usada mais frequentemente e provavelmente por quem, naquelas guerras, levou uma vida sossegada.

Um dos militares mais condecorados do Exército Português, o famoso Alferes Graduado Comando e guineense Marcelino da Mata (mais tarde, Tenente-Coronel), embora reconhecidamente um grande guerreiro, exagerava imenso nos relatos das suas façanhas, referindo algumas vezes ter enfrentado e derrotado, com reduzido número de efectivos, um número elevado de elementos IN, verificando-se posteriormente em relatórios oficiais que nem o seu grupo era tão reduzido, nem o grupo IN tão elevado. Por vezes referia também árvores com mais de cem metros de altura [??].

Se mesmo aqueles cujos actos heróicos eram reconhecidos gostavam de acrescentar uns “pontos”, imaginem os outros que nunca se viram na necessidade de dar um tiro.

Recordo-me que, já depois do 25 de Abril e numa das minhas vindas de férias à Metrópole, ter-se passado comigo um pequeno episódio ao qual me lembrei de dar o título de : “Um herói à minha porta”.

Morava eu então na cidade do Porto, na Rua Aníbal Cunha onde, perto da minha residência, estava instalada a DORN  (Direção da Organização Regional do Norte) do PCP.

Estávamos no mês de agosto ou princípios de setembro de 1974  (estva de férias) e houve uma tentativa de assalto àquela sede do PCP, com tiros à mistura, pelo que havia dois cordões militares; um junto à Rua da Torrinha e outro junto à Faculdade de Farmácia (portanto, um no início e outro quase no final da rua) para impedir a passagem de pessoas. 

A mim deixaram-me passar por ser morador, mas fiquei por ali, junto à porta de entrada da minha residência, a ver o evoluir dos acontecimentos.

Acalmados os ânimos e abrandada a segurança, chega-se junto a mim um camarada da Guiné, dali daquelas Unidades Militares perto do QG/CTIG e que por cá se encontrava de férias, como eu, ou tinha terminado a comissão (não me recordo) e, acompanhado da respectiva namorada  ou mulher, começa com esta conversa:

- Ó Magro, estes gajos aqui a brincar às guerrinhas! Queria vê-los lá na Guiné, como nós, a aguentar aqueles ‘embrulhanços’!

Claro que não tive coragem para desmascarar o “herói do ar condicionado” junto da namorada, ou mulher, mas aquela narrativa era bem demonstrativa da bazófia que alguns dos nossos camaradas usavam junto de familiares e amigos para se arvorarem em bravos combatentes, ainda que muitos deles não tivessem dado qualquer tirito.

Provavelmente “arrumavam com eles à chapada”! Nunca se sabe…, ele há “heróis” para tudo…!

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27227: Memórias dos últimos soldados do império (5): os "últimos moicanos" - Parte II (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)

 


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > CCAÇ 2479 (1968/69) (futrura CART 11) > Centro de Instrução Militar (CIM) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... (mas bem podia  ter sido o Djassi desta história...).

 Foto (e legenda) : © Renato Monteiro (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1.   "Djassi, o ordenança", da autoria do Abílio Magro,  é outro testemunho sobre os últimos dias da nossa presença na Guiné. Faz parte da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes entre  janeiro de 2013 e março de  2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título não deixa perceber, de imediato,  o drama, pungente,  relatado na segunda parte: o dos soldados do recrutamento local que foram abandonados à sua sorte. Como o Djassi, antigo operacional, que acabou a sua "carreira militar", incapacitado, nos serviços auxiliares,  como "ordenança" na CSJD/QG/CTIG.  E que  a partir de agosto fora obrigado a passar à "peluda"...

A cena passa-se em Bissau, já na segunda quinzena de setembro de 1974. Mas antes vamos ver o Abílio Magro, com "outro moicano", na azáfama, febril e ciclópica, de manhã à noite, de queimar todos os papéis (sensíveis) do seu serviço, em troca da vaga promessa do chefe, um tenente-coronel, de conseguirem chegar a casa uns dias mais cedo... 


Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG (Bissasu 1973/74)



Os "últimos moicanos" - Parte II

por Abílio Magro


Recorde-se que havia dois QG (Quartéis Generais) em Bissau;

  • QG/CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), instalado em  Santa Luzia,
  •  QG/CCFAG (Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné), na fortaleza da Amura.
Eu prestei serviço na CSJD (Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina) do QG/CTIG, em Santa Luzia.
 
No tempo em que por ali andei (1973/74), o primeiro era comandado pelo brigadeiro Alberto da Silva Banazol e depois pelo brigadeiro Galvão de Figueiredo; o segundo pelo general Spínola e depois pelo general Bettencourt Rodrigues.

Em agosto de 1974 na CSJD tínhamos um ordenança, o Djassi, soldado nativo que aparentava ter já ultrapassado os 30 anos de idade e que, enquanto operacional, fora gravemente ferido, tendo-lhe sido retirado um pulmão e integrado nos serviços auxiliares. Estava ali colocado para efectuar pequenas tarefas relacionados com aquele Serviço.

O Djassi apresentava invariavelmente um semblante carregado e raramente esboçava qualquer sorriso, denotando, porventura, algum sofrimento pelo seu débil estado de saúde, mas era um indivíduo afável, educado, disciplinado e prestável. Dava gosto lidar com ele. Nunca o vi aceitar com azedume qualquer tarefa, oficial ou particular, que se lhe solicitasse.

Nessa altura, agosto de 1974, já muitas companhias tinham abandonado os seus quartéis no mato e regressado à Metrópole, e outras encontravam-se estacionadas em Bissau a aguardar igual destino.

Por essa razão, estavamos assoberbados com papelada decorrente do "fecho de contas" daquelas companhias,  o que indiciava que nós, os do "ar condicionado", seríamos talvez os últimos a "abandonar o barco".
 
A situação era confusa. Sabíamos que iríamos abandonar a Guiné, mas não sabíamos como, nem se o faríamos definitivamente, nem quando.

Começou a correr a informação de que a partir de finais de agosto não seriam autorizadas férias a ninguém. Ora, eu e o meu camarada Silva,  do Barreiro, nessa altura já os mais "velhinhos" da CSJD, com excepção do tenente-coronel e  do major, estávamos há já mais de um ano sem gozar férias e começámos logo a tratar da papelada para o efeito.
 
Lá viemos de férias em meados de agosto e, entretanto, o "êxodo" continuava e com maior cadência.

Findas as férias, regressámos à Guiné dois dias  depois da data em que foi reconhecida a independência por parte de Portugal - 10 de setembro de 1974.

As patrulhas na cidade eram efetuadas pela PM (Polícia Militar),  conjuntamente com elementos do PAIGC, muitos estabelecimentos tinham encerrado, a tropa que ainda restava era composta de "piras" (ou "piriquitos"), oriundos das companhias mais recentemente chegadas à Guiné.

Na CSJD só o tenente-coronel e o major não tinham ainda sido substituídos, os bens escasseavam, na messe de sargentos só se encontravam "piriquitos", etc., etc.... Ou seja: eu e o Silva estávamos completamente deslocados e, se não tivéssemos tido a estúpida ideia de meter férias naquela altura, teríamos certamente regressado definitivamente, sem necessidade de desembolsar os "pesos" que nos custou a viagem.

Logo tratámos de, junto do tenente-coronel, dar conhecimento da nossa "triste" situação e efetuar o "choradinho" adequado.
 
Fomos então incumbidos de queimar todo o arquivo morto da CSJD que ocupava totalmente uma daquelas pequenas vivendas tipo colonial e que era composto por processos instaurados desde o tempo em que ainda não havia guerra na "Província", após o que poderíamos "meter os papéis" para regressar à Metrópole...

A tarefa impunha alguma responsabilidade e cuidado pois não podia ficar qualquer fração de papel por arder, o que, nos processos mais volumosos, nos obrigava quase a arrancar folha por folha.

Ali estivemos quinze dias a queimar papel que, quando amontoado, nos obrigava a remexê-lo com um pau para que não se apagasse e, no fim de cada dia, só abandonávamos o local quando existissem apenas cinzas.
 
De quando em vez, um ou outro processo despertava a nossa curiosidade pelos objetos de prova que continha e cheguei mesmo à tentação de desviar alguns, mas o desejo de regressar a casa depressa e bem, falava mais alto.

A nossa vontade em terminar a tarefa o mais rapidamente possível era tanta que logo que o sol dava sinais de vida, lá íamos nós p'ra "incineradora" e um dia tivemos a sorte de nos cruzarmos com o ten-cor que, talvez sensibilizado pela nossa madrugadora atividade, nos mandou chamar para que "metêssemos a papelada para bazar dali".

A tarefa ainda não estava terminada, mas o ten-cor, face à nossa proficiência e empenho, achou por bem mandar para lá alguém mais "piriquito" e nós lá regressámos à Metrópole quinze dias depois de lá termos vindo no final das férias.

E foi numa deslocação a Bissau para, no mercado negro, "despachar" os últimos pesos que tinha comigo (na messe de sargentos de Santa Luzia já nada havia para comprar),  que encontrei o Djassi, já civil, e que me interpelou de uma maneira agressiva como nunca imaginei que fosse capaz, confrontando-me com a situação para a qual o Exército Português o tinha atirado e dando-me a entender que, naquele momento, para ele, eu era o representante daquele Exército e exigia-me explicações que eu não lhe podia dar.

  Furriel, eu fui ensinado a respeitar a bandeira portuguesa desde que nasci, andei muitos anos no mato a lutar por Portugal, fui ferido várias vezes, fiquei sem um pulmão, sou português, sempre me considerei português!
 
E prosseguindo:

E agora, dão-me dinheiro e vão-se todos embora?!... O que vai ser de mim?!... O que é que o PAIGC vai fazer comigo?!

Naquele momento senti-me envergonhado por ainda pertencer ao Exército que abandonara à sua sorte o exemplar militar português que era o Djassi.
 
Emudeci e não me recordo de lhe ter dirigido grandes palavras de conforto para além de um lacónico: 

− Calma, vai correr tudo bem!...

Cabisbaixo e algo deprimido, retirei-me do local, mas confesso que, minutos depois, o egoísmo veio ao de cima e já só pensava nas "voltas" a dar no sentido de embarcar com destino à Metrópole o mais depressa possível.

Quando, tempos depois, já na Metrópole, comecei a ouvir os noticiários sobre os fuzilamentos de antigos militares portugueses da Guiné, muitas vezes me veio à memória (e continua a vir quando se fala no assunto) o exemplar militar Djassi e questiono-me sobre o destino que teria tido e se os capitães de Abril (na altura no poder) não teriam podido fazer mais por aqueles que combateram ao nosso lado.

Há muito que tinha em mente falar sobre o Djassi, ordenança da CSJD/QG/CTIG, mas como tenho o hábito de salpicar a minha "prosa" com tiradas pseudo-humorísticas (está-me no sangue), tenho alguma dificuldade de escrita para assuntos mais sérios como este. 

Dispus-me agora a fazê-lo, reconhecendo, no entanto, que este episódio era merecedor de uma escrita mais adequada ao fim a que me propus: 

− Prestar uma sentida homenagem a todos os "Djassis" da Guiné-Bissau!

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
____________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 17 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)





Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil op ersp / ranger, Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.


Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1.   "O Prisioneiro da Ilha das Galinhas", da autoria do Abílio Magro,  é uma das crónicas "divertidas" da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes enter janeiro de 2013 e março de publicada em 2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título é enganador: o "prisioneiro" personifica aqui, metaforicamente falando, o "último dos moicanos"... 

A cena passa-se em Bissau, em finais de setembro de 1974, com os últimos militares portugueses a fazerem  a "comissão liquidatária" do impériom (a destruir papéis, a arrumar caixotes, a deitar fora a tralha da guerra, a transferir serviços, a fazer as malas para regressar a casa, a beber as últimas "basucas", etc.).

 Faz sentido republicar agora,  na efenéride dos 51 anos, esta história na série "Memórias dos últimos soldados do império" (*)

A República da Guiné-Bissau já tiha sido reconhecida por Portugal, "de jure et de facto", em 10 de setembro. O brigadeiro graduado Carlos Fabião, último governador e comandante-chefe,  ainda era, até 14 de outubro desse ano, formalmente, o representante do Governo português, do território. 

Sabe-se que  No dia 14 de Outubro, pelas 3 da manhã, o comandante-chefe Carlos Fabião partiu do aeroporto de Bissalanca, juntamente com os comandantes do CTIG, da Zona Aérea, do seu Estado-Maior (onde se encontrava também o seu CEM, Henrique Gonçalves Vaz) e os oficiais da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Este voo representou o penúltimo contingente das nossas tropas, e não o último. No aeroporto encontravam-se representantes do PAIGC em Bissau, nomeadamente Juvêncio Gomes, Vítor Monteiro, Constantino Teixeira, Paulo Correia e Silva Cabral (nome de guerra, "Gazela").

O então Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D´ Eça tinha passado a ser, entretanto,  a partir de 14 de Outubro, à uma hora, o  comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no TO da Guiné.  

Na manhã do dia 14 de outubro realizou-se a entrega do Palácio do Governo, tendo assistido a esta cerimónia o comodoro Vicente Almeida d' Éça, em representação do Governo Português (segundo Jorge Sales Golias, este foi o último acto oficial antes da retirada de todas as Forças Portuguesas) (**)

O comandante das Forças Terrestres a embarcar foi o coronel de infantaria António Marques Lopes: este sim o último contingente militar a abandonar o TO da Guiné, no T/T Uíge,  em 15 de outubro (chegado a Lisboa, a 20; nele veio também o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro) (*).


2. Recordemos a cronologia desses últimos dias do Império, no que diz respeito à Guiné... Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período (de 30 de julho a 15 de outubro de 1974) foi caracterizado por "ausência significativa de pressão política ou militar", destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes (estamos a citar a CECA- Comissão para o Estudo das Campanhas de Ágfrica) (***)

(i) desmobilização, até fianl de agosto,  das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

(ii) a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

(iii) neste período, o potencial relativo de combate das NT  relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

Recorde-se as datas-chave:;

  •  26 de agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais: (a) independência em 10 de setembro de 1974; (b) retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de outubro; (c) cessar fogo "de jure" desde a mesma data;
  • de 4 a 9 de setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC; no dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado;
  • 10 de setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal;  na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;
  • 15 de outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau; regresso nos TAM e no T/T Uíge e navios da marinha;
  • no total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

  Os nossos "cronistas" desse tempo são o Eduardo Magalhães Ribeiro, o Albano Mendes de Matos e... o Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina (CSJD),  QG/CTIG, março 1973/ setembro 1974).  

O Abílio Magro também  um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado  a caso em fins de setembro, nos TAM. O ten cor Albano Mendes Matos, a 14, também de de avião. O Eduardo, a 15, no T/T Uíge.

O Abílio Magro é o nosso grão-tabanqueiro nº 600, tendo ingressado formalmente no blogu em 13/1/2013. Tem 73 referências.




Os "últimos moicanos" - Parte I

por Abílio Magro


A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o término de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efetivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.

A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área,  é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós. Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".

Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago, Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.

Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, tenentes-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou  saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.

Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…

Enfim, imagens vivas do fim do Império Colonial Português!

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco. Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).

Abílio Magro

(Revsião / fixação de texto, título: LG)


2. Na altura,  o editor LG tinha deixado o seguinte comentário no  poste P15618;


Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, confusão e impotência dos nossos "maiores" (tenentes coroneis e majores) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016 às 22:04:00 WET 
____________


(...) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27223: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda II: serviço de "guarda de honra" ao tribunal militar



Guiné > Bissau > Antiga Av da República > Edifício da administração civil onde funcionavam os tribunais (civil e militar) > c. 1917/73 >  Hoje é sede do Supremo Tribunal de Justiça da República da Guiné-Bissau >  Foto do álbum do José Romãoex-fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73.


Foto (e legenda): © José Romão (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 




Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura bastante conhecida no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo... Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)", de que se publoicaram 9 poestes mais uma adenda (*)

 
1. Manda-nos agora um comentário ao poste P27222  (**):

Data - 16 set 2025 14:22

Assinto - Comentário ao poste do Abilio Magro

Olá, caro, amigo:

Começo a me recompor do choque (***), vou tentando voltar à normalidade. Obrigadíssimo pelo teu apoio, naquele momento difícil no passado mês de Agosto. Na Guiné, dizem: mês de Agosto, mês de desgosto! Isso numa alusão ao Massacre de Pidjiguiti em 1959! Pois é, desde que vivi entre 1973 e 1975 que fiquei com esse horror ao mês de Agosto… talvez agora, um trauma.

Olha, vi o post do amigo e companheiro Abílio Magro (**), não resisto e fazer um comentário, que segue abaixo:

Em Bissau, após a minha chegada, ao QG/CTIG, talvez meio e mês depois, fui escalado para esse serviço,  “Guarda de Honra”, num julgamento no Tribunal Militar em Bissau que decorreu, no Palácio da Justiça ou o edifício que funcionava como tal, ali perto da Igreja (julgo um pouco abaixo) do lado direito da Avenida principal, que ia desembocar na Praça do Império, hoje, Praça dos Heróis Nacionais em Bissau. 

Recordo, era um julgamento de guineenses que tinham sido presos por ligações à guerrilha, logo eram vulgarmente chamados «turras». 


O «protocolo» era o mesmo descrito pelo Abílio Magro, só que a mim deram-me na arrecadação uma pistola Walther, os soldados eram todos guineenses, acho, do recrutamento local, levaram G-3. 

O serviço de Guarda de Honra durou apenas um dia, o julgamento é claro continuou, pois havia outros na escala para esse serviço. Quando começou, ouvimos o início, acusações em “apresentar arma”, mas depois, só lá ficaram dois soldados de sentinela dentro do tribunal; o resto, ficava cá fora e de hora em hora iam render os que estavam na sala. 

Por isso, recordações sobre acusações não ficaram, pior ainda, nunca mais me interessei, depois daquele dia de calor intenso, durante o serviço no Tribunal em Bissau.

Já agora, me lembro, que havia uma série de serviços e escalas, que se faziam pelo uma vez, para além escalas que cumpríamos uma vez por mês: 

  • Guarda (na entrada principal do QG em Santa Luzia); 
  • Piquete (ronda nocturna no bairro de Cupelon oi Pilão);
  • Guarda da PIDE (parte traseira). 

Para além destes, pelo menos a mim, coube apenas uma vez, ser nomeado «escrivão» num processo em que estava envolvido um guineense, que foi capturado no mato, logo acusado de ajudar o IN. Estava preso, ali pelos lados de Brá, numa prisão de um quartel que já não me lembro o nome. 

Quando chegamos lá, numa tarde, eu, escrivão, e o alferes inquiridor, encontrãmos os presos a jogar futebol! O encarregado da prisão, que era cabo-verdiano, ficou surpreso com a nossa chegada. Apitou logo, o jogo parou e começou logo a contagem de quantos eram os presos! 

E explicou-nos: "Temos de estar sempre atentos, pois se um deles fugir, sou o responsável!"

 Voltaram todos para as celas, ficou apenas o preso, que fomos interrogar. Não durou muito tempo, pois o alferes fez a leitura das declarações que estavam no auto e o preso confirmou tudo. Logo, foi rápido, assinámos e fomos embora.

Já agora, recordo, o primeiro serviço de «guarda de honra» que fiz, foi no dia 1 de Dezembro de 1972, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, Missa, no Dia da Restauração. 

Fiquei espantado, com a presença de um grande número de altas patentes, de tenente-coronel para cima!!! Felizmente tudo correu bem; para mim foi a primeira vez que entrava naquele monumento, vi o túmulo de Luís de Camões.

Forte Abraço, vida e saúde

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado

(Revião / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:


(*) Vd. postes de:

16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26924: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Adenda I: Kalú de Nhô Roque e a sua "circunstância"

13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26917: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - X (e última) Parte : a guerra de nervos nos últimos seis meses


(**) Vd poste de 15 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)


(***) Vd- poste de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27104: In Memoriam (558): Dúnia Ivone Ramos Gonçalves (1976-2025), filha do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74): o funeral é amanhã, às16h00, no Cemitério da Várzea, Praia, Cabo Verde

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27222: Humor de caserna (212): Dura lex sed lex!...Guarda de Honra ao tribunal millitar (Abílio Magro, ex.fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, 1973/74)



1. O "mano" Abílio, Valente e Magro (de seu nome completo Abílio Valente Lamares Magro) não precisa de apresentações mas há sempre alguém, no blogue,  que nunca lê os "preliminares" dos nossos postes:  

  • foi fur mil, CSJD/QG/CTIG, 1973/74) (descodificando: Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné); 
  • foi um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado a casa já no tempo na República da Guiné-Bissau, reconhecida por Portugal em 10 de setembro de 1974;
  • entrou  para a Tabanca Grande em 2013;
  •  tem sete dezenas de referências no blogue;

  • é um talentoso humorista de caserna; 
  • é aclamado autor da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé";
  • e, caso único na história da(s) nossa(s) guerra(s),  é proveniente de uma grande família de combatentes, pois, de 8 irmãos (6 rapazes e 2 raparigas) todos os machos foram parar com os costados aos vários TO (Angola, Moçambique e Guiné), chegando a estar 5 irmãos (todos milicianos) ao mesmo tempo, a cumprir serviço militar, dos quais 4 no Ultramar... 
  • além do mais, era o mais novo dos manos, o caçula;
  • por mais incrível que pareça, nunca nenhum patriota cá da terra se lembrou de propor que o feito dos manos Magro passasse a figurar no livro dos "Guinness World Records"; de qualquer modo, ainda bem que a matriarca da família não deixou que as filhas se oferecessem  para o curso de  enfermeiras paraquedistas, alguém tinha que ficar a tomar conta da casa!


Dura lex sed lex!... Guarda de Honra ao tribunal militar

por Abílio Magro

.
Nos tribunais militares os julgamentos eram efectuados com a presença de uma Guarda de Honra e durante a minha comissão na Guiné, apenas uma vez fui escalado para comandar um pequeno pelotão numa "cena dessas".

De camuflado, luvas e cordões brancos nas botas, sob uma temperatura a rondar talvez os 40ºC e com alguns 80% de humidade no ar, lá fomos para a sala de audiências que não tinha ar condicionado, mas sim uma ventoinha "gigantola" no teto.

Quando o Juíz entrava todo de branco fardado, fazendo lembrar um vendedor de gelados que ali bem-vindo seria, a Guarda levantava-se, eu dava ordens de sentido-ombro armas, apresentar armas, "comme il faut",  nestas ocasiões.

Durante o julgamento permanecíamos de pé, de mãos quentinhas e com o suor a escorrer por todo o corpo, fazendo-nos sentir sermos nós os verdadeiros réus a cumprir já parte da pena.

Recordo-me que, nesse dia, foram três julgamentos seguidos (era talvez época de saldos).

A situação lá se foi aguentando (que remédio!), mas na hora da leitura da sentença é que a coisa se tornava feia.

 Todos em sentido enquanto o homem lia os "preliminares" e, quando proferia uma frase semelhante a: "Determino em nome da lei...", eu dava voz de apresentar armas e assim permanecíamos até ao fim da leitura que demorava uma eternidade, fazendo com que as armas aumentassem exponencialmente de peso.


No meu caso a arma era uma FBP cujo peso era bem inferior ao da G3 e cujo apresentar d'armas era sobre o peito aguentando-se razoavelmente a posição, mas o resto de pessoal,  armado de G3, ao fim de alguns minutos já não conseguia manter a arma firme na vertical, tremendo como varas verdes.

De soslaio, apercebi-me que alguns foram aproximando as respectivas coronhas da barriga, acabando por as poisar no cinturão, e transformando a Guarda de Honra num cerimonial com pouca verticalidade.

Segundo me recordo, um dos julgamentos referia-se a um soldado metropolitano que, a caminho de uma qualquer patrulha, saltara da viatura e regressara ao aquartelamento, desobedecendo ao alferes. 

Este ter-lhe-á posteriormente aplicado apenas um castigo de alguns "reforços à Benfica", castigo esse que foi considerado demasiado brando, o que terá originado, também, um processo disciplinar ao alferes.

Quanto à pena sofrida pelo soldado, não me recordo bem, mas julgo que foi de alguma dureza.

Num outro julgamento o réu era um civil negro, já com algumas chuvas passadas, baixote, descalço (e eu de luvas brancas!) e de uma etnia qualquer que obrigou à presença de um outro militar, também negro, no papel de tradutor. 

Não me recordo já de qual o crime cometido por aquele civil, nem da pena a que foi condenado, mas apenas que, após uma pergunta do Juíz, o "intérprete" ter entrado em longa algaraviada com o réu, finda a qual simplesmente respondeu:

 − Ele disse que não..

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor LG:

Último poste da série >~28 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27160: Humor de caserna (211): a Maria-tira-cabaço, uma história pícara de Empada... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)

terça-feira, 24 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26951: O Cancioneiro da Nossa Guerra (26): "Quero Ir para Lisboa", paródia cantada pela malta do BCP 12, em Cacine, em junho de 1973, ao tempo da CCAÇ 3520 (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74),




Crachá da madeirense CCAÇ 3520, disponibilizado em formato digital pelo nosso grão-tabanqueiro Juvenal Candeias, ex-alf mil.

Foto: © 
 Juvenal Candeias (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Há 13 anos atrás o  Abílio Magro (ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74), na sua série "Um Amanuense em Terras de Kako Baldé" (*), escerevia, bem humorado:



(,,,) Decorria o mês de junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas páraquedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.

Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., etc..

A CCAÇ 3520  [ "Estrelas do Sul", ou "Os Homeopáticos Cacine´", mobilzados pelo BI 17, Funchal, dez 71 / mar 74, com pelotões destacados em Cameconde, Guileje. Cacine, 1971/74 ] era um companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição. Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!

Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado. Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato". Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O major Leal de Almeida  
 [ comandnate do COP 5 ?]  lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro furriel. O major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.

E eu... andava por ali a ver as "bajudas"! (...) Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os sargentos paraquedistas (ah gente do "catano"!).

Recordo-me bem de um convívio noturno na "messe" de sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espetacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.

Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa,
Ai, ai, eu quero,
Nem que seja de canoa,
Eu quero ir
P'ra terra santa querida,
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida.

Pára-quedistas, homens nobres,
Tanto ricos como pobres,
Avançando pela mata (...)

(e de mais não me recordo)




Crachá do BCP 12. Cortesia da página do Facebook Álbuns de  


2.  Ao fim destes anos todos (!), sem qualquer "feedback" da malta do BCP 12, conseguimos recuperar o resto da letra, graças à ajuda do assistente de IA / Perplexity...


(...) Sim, reconheço a canção a que te referes! Trata-se de uma canção popular entre militares portugueses, especialmente associada aos paraquedistas. Muitas vezes é conhecida simplesmente como "Quero ir para Lisboa" ou "Canção dos Paraquedistas". A letra que apresentaste é uma das versões que circulam oralmente, sobretudo entre antigos militares que serviram nas guerras coloniais portuguesas.(...)

Letra Completa (Versão Tradicional)  (embora haja variantes);

Quero, quero ir para Lisboa,
Ai, ai, eu quero,
Nem que seja de canoa,
Eu quero ir
P’ra terra santa querida,
Dizer adeus a esta merda
P’ro resto da minha vida.

Paraquedistas, homens nobres,
Tanto ricos como pobres,
Avançando pela mata,

Com a espingarda na mão,
Sempre prontos para a luta,

Com coragem e devoção.

O assistente de IA / Perplexity deu-nos duas fontes cujos URL, segundo confirmámos, já foram descontinuados. Devem ter tido vida efémera. Nem no Arquivo.pt conseguimos recuperá-los, mas aqui fica o seu registo:
 

https://www.paraquedistas.com/forum/.

Blog "Os Paraquedistas"

https://osparaquedistas.blogspot.com/


3. A letra aqui parodiada pelos páras (de uma das 3 companhias do BCP 12, não sabemos exatamenmete qual, talvez a CCP 122 ou CCP 123) passa a  fazer  parte integrante do Cancioneiro da Nossa Guerra (**),

A autoria da letra é mais provável que seja dos páras (envolvidos na batalha dos 3 G, e que aguentaram Gadamel). A CCAÇ 3520 era madeirense, e era a unidade de quadrícula de Cacine.

De qualquer modo, a letra pdoer ser vista como uma homenagem aos bravos do BCP 12 ("sempre prontos para a luta / com coragem e devoção"), mas também diz muito sobre o "estado de espírito" e o "moral" das NT no terrível período dos três G (Guileje, Gadamael, Guidaje), em maio/junho de 1973. 

Tanto a letra como a música nada têm a ver com os "hinos guerreiros" que podemos encontrar noutras fontes da Net sobre os nossos camaradas paraquedistas...e com os quais reforçam o seu "espírito de corpo".

Eles, o BCP 12, tal como nós, "tropa-macaca" ou (ou do "arre-nacho"), todos estavávamos fartos daquela... "merda" (sic), não se vendo, em meados de 1973,  qualquer luzinha no fim do túnel.. O general Spínola vai "bater com a porta"  na cara de Marcelo Caetano...

Implícita há uma mensagem: o poder político, na altura, usou e abusou da extraordinária capacidade de sofrimento, abnegação, coragem e patriotismo do soldado português. E não esteve decididamente à altura da história!...

O BCP 12, não é preciso recordá-lo,  tem um  brilhante historial no CTIG... Cite-se, pro exemplo,  o sítio dos Boinas Verdes

(...) A competência e eficiência com que os Paraquedistas cumpriram na Guiné as missões atribuídas, de 1961 a 1974, foi paga com a morte em combate de 56 paraquedistas (47 praças, 6 sargentos e 3 oficiais). (...)


4. A letra que reproduzimos acima é uma paródia (e, afinal, não mais do que isso), que se cantarolava enter dois copos e duas saídas para o mato...


(...) Quero, ficar sempre estudante,
P'ra eternizar
A ilusão de um instante.
E sendo assim,
O meu sonho de Amor
Será sempre rezado,
Baixinho dentro de mim. (...)


(Revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Notas do editor LGF:


(**) Último poste da série > 30 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25582: O Cancioneiro da Nossa Guerra (25): Os Gandembéis - Canto IV, Estrofes de I a XI (Fim) (CAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69)

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26936: A Bissau do Meu Tempo (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte IIIc: O "Clube Militar de Oficiais" de Bissau, QG/CTIG, Santa Luzia (Fotos de 18 a 24)




F18 – A escrever para a familia, no bar do clube de oficiais do QG. Abril68



F19– No bar da Messe escrevendo à familia. 01Abril68.


F20 – Na relva da piscina, com um camarada frequentador, conversando, mas não me lembro do nome. Março68


F21 – Junto à Messe de oficiais, na minha motorizada, com o amigo alferes  Soutinho. 04fev68.


 F22 – No Bar do Clube Militar de Oficiais, com um camarada de que não sei o nome. Set68


F23 – Um convivio com dois camaradas, no Bar do Clube Militar de Oficais,  no QG/CTIG,  à noite, após refeição, já em 1969, não sei o mês, mas já estava esperando o embarque.

Ao meu lado o alferes Camelo, que foi meu companheiro na EPAM (Escola Prática de Administração Militar). A seguir um alferes miliciano da Chefia de Contabilidade, vestido com uma polo branca da Fred Perry, comprada também no Grande Hotel. Não me estou a lembrar do nome dele, mas era já conhecido do Porto ou da Faculdade de Economia ou do Instituto Comercial.

Quanto ao alferes Camelo, durante a especialidade, não sei qual foi a dele, fazíamos muita
aividade não só de ginástica como aplicação militar, marchas, corridas pelos campos de
Alvalade, lembro-me que eram em terra de tijolo, e desciamos por valas às cambalhotas, depois passávamos por valas de porcaria de esgotos. O Camelo, que era de Matosinhos, pesava aí uns 100 kg, não conseguia correr nem mesmo marchar, e muito menos carregar com o seu equipamento.

Era eu o "levezinho" que,  além do meu equipamento,  carregava com o dele, que suava por todos os poros, eu facilmente carregava tudo e chegava ao fim, nem ponta de suor. Acho que ele deve ter ficado agradecido, pois foram muitas vezes, depois de acabar o curso, e nunca mais nos vimos, exceto neste encontro na messe do Clube.

Mais tarde cheguei a cruzar-me com ele no Porto, mas acho que ele me evitava, devia ser de
uma familia de comerciantes burgueses, tinha uma loja onde hoje funciona em Brito Capelo,
na Loja do Andante do Metro do Porto.

Falei com outros camaradas e disseram que ele tinha a mania das grandezas. Nunca mais o vi. 



F24 e 24A – A estrada de Santa Luzia à noite,  vendo-se  ao fundo &CTIG Porta de Armas do QG e do Clube Militar de Oficiais.


Uns 100 metros antes, para quem sobe do lado esquerdo, tinha ali a casa da minha primeira amiga, cabo-verdeana, que conheci no dia em que cheguei, cuja história não é para contar agora neste tema. Foto tirada em 1969, terá sido no 2º trimestre antes de embarcar


Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG/CTIG > 1968 >  A piscina  do "Clube Militar de Oficiais"  


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69). Última parte, fotos de 18 a 


1.1. Comentário do autor (enviado por email, 
17 jun 2025, 12:25) ao poste P26928 de 18junho2025 > O Biafra » O Clube de Oficiais de Santa Luzia (*)

(...) Estive a ler o texto do coronel de transmissões, Jorge Sales Golias, um trabalho de louvor, sem exageros, que infelizmente não o tinha lido. [Memórias do Agrupamento de Transmissões e Histórias de Guerra na Guiné – 1972/74 ].

Desde logo me chama a atenção de comparar o clima que encontrou quando chegou à Guiné no velho DC6 em 1972 (tal como eu o descrevi, o flagelo do clima, a sair de um frigorifico que era o frio dentro do avião, e entrar num forno instantaneamente) e tudo o resto destas experiências, que só sabe quem por elas passou.

Dizia eu, comparar alhos com bugalhos, o Regimento de Transmissões do Porto, sediado em Vale Formoso, por onde andei em menino e moço, nos anos 50, quando o meu pai lá estava a prestar serviço, quando morávamos a umas poucas centenas de metros. Nessa época e durante muito tempo, era o Regimento de Engenharia 2. (...)

Em 1972, o ano a que se refere o nosso coronel Golias, já eu tinha chegado da Guiné em 1969, casado em 1970, e em 1972 a caminho do segundo de 3 filhos, vivendo então nessa época noutra casa do Porto, e depois Vila do Conde, onde me hospedei desde então.

A reportagem desta história  é tão minuciosa, e completa, que até me sinto desconfortável ao contar algumas façanhas, triviais, face a este conteúdos, de outras esferas superiores e de outros tempos, mais modernos num caso, mas mais difíceis nos anos 73 e 74. Os meus parabéns para começar. Não tenho infelizmente nada tão parecido como esta narrativa.

Muitos dos aspectos também se passaram comigo em 1967 e até 1969, mas não tenho descrições disso tudo.

Indo directo ao assunto, o coronel "Lavrador", salvo seja, não me cheira nada o nome de Saraiva. Tenho um nome algures escrito e na memória, que não me parece esse, o pai da Suzi. Eu só o vi uma vez, e nunca faláos, nem nos zangámos.(Eu frequentava aquilo, ou à civil, ou com farda normal, nunca de camuflado.)

E tenho a ideia, não certezas nenhumas, que o chefe daquilo tudo  (o CMO - Clube Militar de Oficiais), seria um coronel de Administração Militar, até porque um coronel de infantaria não era a melhor opção para esta função. Digo eu.

E fala-se em duas filhas adultas... Durante dois anos só conheci esta das fotos, a Suzi, nunca me apercebi que ela tivesse outra irmã, e ainda por cima a viverem permanentemente em Bissau, durante anos.
 
Basicamente já está tudo esclarecido quanto ao Biafra e o CMO, depois de se ler os textos do coronel Jorge Golias e do Abilio Magro,  entre outros.

Estive a ver agora a foto da construção da piscina dos Sargentos, atrás das suas sumptuosas instalações dormitórias, que pelo que me parece não chegaram a ter grande utilidade para os nossos sargentos, pois entretanto acontece o 25 de Abril.

Diga-se de passagem, que,  como se pode ver, de "Biafra" não tinham nada, as instalações de madeira e zinco, boas para habitáculo de baratas, para os oficiais milicianos, leia-se, alferes milicianos, podemos até dizer sem exageros, que parecem melhores do que os quartos do Grande Hotel, e que tínhamos de pagar e não havia piscina. (Era só elitista, para uns, e um local de convívio para quem pudesse pagar.)

Quanto ao relato do Abilio Magro, destaco a foto com a legenda:  Guiné > Bissau > QG/CTIG > "O "Biafra" dos Sargentos > c. 1973/74 > "Eu junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos"... Não sabemos se chegou a estar pronta, se foi estreada e usada... Era uma alternativa à piscina do Clube Militar de Oficiais (CMO), a que os sargentos só tinham acesso muito limitado. (...)

Mas para terminar, eu voltei a este local por 4 vezes em 1984 e 1985. Fiquei hospedado no sitio onde era o nosso Biafra de 67, com moradias novas. A piscina, que por acaso nunca tinha água, estava tudo abandonado, era a mesma que eu conheci.

Provavelmente estas instalações (dos sargentos), de 1973-74, ficavam noutro local, que não cheguei a visitar! (..)

(Seleção, edição das fotos, revisão / fixação de trexto: LG)
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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26932: Humor de caserna (201): a vida de um "biafrense" na guerra do ar condicionado de Bissau (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, 1973/74)



Guiné > Bissau > QG/CTIO > "O "Biafra" fos Sargentos > c. 1973/74 > "Eu  junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos"... Não sabemo se chegou a estar pronta, se foi estreada e usada... Era uma alternativa à piscina do Clube Militar de Oficiais (CMO), a que os sargentos só tinham acesso muito limitado.

Foto (e legenda): © Abílio Magro (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Excerto do poste P11164 (*), adaptado para a série "Humor de caserna" (**) do nosso camarada Abílio Magro (ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG. 1973/74).  Pelo número do cartão (568) de acesso às instalações do QG/CTIG, do Abílio Magro, deduz-se que lá deviam trabalhar centenas de militares e civis.

O Abílio é o mais novo dos 6 manos Valente Magro que "foram á guerra". Três são membros da nossa Tabanca Grande. O mais velho, o Fernando, infelizmente já morreu. O Abílio está entre nós desde 2013.  Vive em Ermesinde.



Humor de caserna - A vida de um "biafrense" na guerra do ar condicionado de Bissau

por Abílio Magro


O sol começava a nascer e ao longe, tenuamente, já se vislumbrava a costa da Guiné e, muito lentamente, o cais do Pidjiguiti tornava-se-me mais nítido e desejado.

Tinha a sensação de estar a regressar finalmente de uma longa ausência em terras inóspitas.

Cacine tinha ficado para trás. Foram poucos dias, eu sei (pareceram-me uma eternidade!), mas deu para "cheirar" ao de leve a guerra e sentir a vida dura do mato.

Senti-me regressar a "casa".

Em terra, aproveitei a boleia de uma das Mercedes que transportavam o pessoal da CCAÇ 3520 e que me deixou perto do QG/CTIG que não ficava longe do "aparthotel" onde estava alojado - o "Biafra". 

Este era um alojamento provisório para quem chegava à Guiné pela primeira vez, ou que estava em trânsito. Eu já contava com 3 meses de Guiné e ainda ali continuava. Talvez as baratas tenham feito alguma pressão nesse sentido.

Embora necessitado de um valente banho, as saudades de uma "bejeca" geladinha falaram mais alto e, deixada a "bagagem" e a G3 na "suite", logo me dirigi ao Bar da Messe de Sargentos que se encontrava ainda fechado, mas que o "barman", vendo o estado lastimoso em que me encontrava e sensível ao meu convincente "choradinho", logo se disponibilizou para procurar a "bejeca" mais gelada que se encontrasse nas redondezas.

Até tinha gelo lá dentro!... "Ganda barman!"...

Bebi-a de um trago, o que fez com que não pudesse ter "cantado o fado" durante uns dias, mas que me soube bem "comó caraças"!

Havia agora que me apresentar ao serviço e recomeçar a minha outra "guerra", a que muitos chamamavam "do ar condicionado" (aproveito para informar que o ar condicionado estava reservado para os gabinetes dos oficiais pois, abaixo disso, aguentávamos com aquelas ventoinhas "gigantolas" penduradas no teto e que, quando avariavam ou faltava a electricidade, nos obrigavam a parar de trabalhar e vir para a rua, o que nos era permitido).

Lavadinho, barbinha feita, calças verdes de terylene, camisinha de manga curta e aberta no pescoço, lá vou eu todo vaidoso apresentar-me ao Chefe do Serviço de Justiça e Disciplina, major dos SGE, Mário Lobão (julgo que, naquela época, os oficiais do SGE eram oriundos da classe de sargentos e que, após frequência de um curso na Escola Central de Sargentos de Águeda, acediam ao oficialato e podiam progredir na carreira até ao posto de tenente- coronel).

Para ir do meu gabinete ao do major, tinha de passar pelo gabinete dos advogados, alferes milicianos. E, ao passar por estes, dizem-me:

 − Não se vá apresentar assim, tem de levar gravata!

Eram uns brincalhões e eu era ainda muito 'pira'..., estão a ver?!

Gravata numa camisa daquelas e naquele clima?! "Gandas tangas. estes tipos!"

Continuei a marcha em direcção ao gabinete do major, entro, "bato-lhe a devida pala" e, quando me apronto para lhe contar as minhas desventuras, o homem levanta-se e vocifera:

− Isso não é assim, vá-se ataviar convenientemente e venha-se apresentar depois!

Se fosse hoje, corria para o computador, entrava no site da CP e comprava bilhete para o primeiro comboio que rumasse a Cacine. (Estou a brincar, não fiquei com saudades daquilo!)

Voltei para trás e, ao passar novamente pelo gabinete dos advogados, ouvi:

−  Está a ver, nós avisámos!

Lá me informaram de como me deveria apresentar ao homem e concluí que tinha mesmo de pôr gravata.

−  Oh,  c'um carago, uma gravata nesta camisa é completamente ridículo! Isto anda tudo 'cacimbado' ou foi a cerveja gelada que me baralhou os neurónios?!

Bom, lá fui ao "Biafra", procurei a farda que tinha trazido da Metrópole, vesti a camisa de manga comprida,  arregaçando-lhe as mangas e coloquei a gravata.

Aquela gravata no meu pescoço fazia tanto sentido como um terço nas mãos do Luis Filipe Vieira!

Resta-me a consolação de ter obrigado o homem a levantar-se para me receber (o respeitinho é muito lindo!).

Quem por lá andou,  sabe que havia algumas personalidades estrambólicas, mas,  pelo que pude constatar nos meus cerca de 18 meses de Guiné, muito poucos oficiais dos SGE tinham semelhantes comportamentos.

E a minha "guerra" lá foi continuando sem grandes sobressaltos. Aaproveito para aqui fazer um pequeno parênteses para vos dar uma ideia geral de como era a vida do pessoal do "ar condicionado".

Na pequena sala onde prestava serviço, com uma ventoinha "matulona" no teto, estavam também 4 escriturários, dos quais dois eram africanos (um civil, ex-guerrilheiro recuperado, e outro do recrutamento local), virados para mim.  E o espaço que existia entre as secretárias deles e a minha, não permitia que circulassem duas pessoas a par. 

A seu lado, estava ainda um 1º sargento de quem já não me recordo o nome e a quem o major parecia ter um ódio de estimação,  chamando-o de "Gebo" e encarregando-o das tarefas mais achincalhantes.

Dava pena vê-lo abeirar-se de mim, cheio de medo e, em surdina, pedir-me qualquer tipo de ajuda sem que o major "topasse". Felizmente para ele faltava pouco tempo para o fim da sua comissão.

A vida dos escriturários não era "pêra doce"! Entravam às 8 ou 9h00 (já não me recordo), destapavam as máquinas de escrever e era um matraquear contínuo até ao fecho do serviço, apenas com intervalo para almoço. 

Imaginem aquelas almas dias e dias seguidos (meses, toda a comissão!), sempre a bater à máquina com um calor insuportável e sem grandes hipóteses de "baldas"! E eu a levar com aquele constante "matraquedo" em cima!

Mas aquela "guerra" lá se foi travando até que surgem indícios de que a "coisa" estava a ficar mesmo feia e que parecia vir a alastrar-se a Bissau, com início de alguma guerrilha urbana, com bombas a rebentar no café Ronda, no QG/CTIG, num autocarro da Base Aérea e uma pseudobomba na Piscina do Clube dos Oficiais. (...)

(Seleção, revisão/ fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11164: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (6): Regresso a Bissau